domingo, 17 de julho de 2011

Nossa Homenageada : Elizabeth Teixeira

 Em nossa programação cultural teremos um espaço destinado a homenagem da paraibana Elizabeth Teixeira assim como também a exibição da curta-metragem " Cabra Marcado Para Morrer" Conheça um pouco mais lendo o post abaixo :

Dirigente camponesa e viúva de João Pedro Teixeira, fundador e líder da Liga Camponesa de Sapé , na Paraíba, Elizabeth Teixeira,  narra à AND sua vida e suas lutas junto ao povo nordestino.

Em 1962, uma equipe de estudantes da UNE-Volante, acompanhada pelo então jovem cineasta Eduardo Coutinho (membro do CPC — Centro Popular de Cultura) viajava em caravana pelo interior do Nordeste brasileiro filmando a vida do povo e as lutas sociais daquele período, quando ocorreu o assassinato do João Pedro Teixeira, dirigente e fundador da Liga Camponesa de Sapé, na Paraíba. A partir daí, as atenções da equipe passaram a se concentrar neste caso, e o resultado das filmagens realizadas foi o documentário Cabra Marcado pra Morrer, uma das mais importantes obras cinematográficas do Brasil.
Registro simples e fiel daquele período de intensa mobilização do movimento camponês, o filme tem como cenário o sertão pernambucano, e sua principal personagem é a viúva de João Pedro, a também dirigente das Ligas, Elizabeth Teixeira.

Elizabeth Teixeira nasceu em Sapé, Paraíba, em 13 de fevereiro de 1925. Seu pai era fazendeiro, proprietário de 300 hectares de terra e comerciante. Cursou até o segundo ano primário, abandonando os estudos porque o pai a proibiu de continuar indo à escola. Ela conta: "Meu pai era exigente, mas vivíamos bem. O problema mais sério do nosso relacionamento foi o meu casamento, porque casei contra a vontade dele. Tive que fugir e casar com 16 anos, porque quando João Pedro me pediu em casamento, papai não aceitou. Dizia que ele era negro e que não aceitava negro sentado na sua sala. E, além disso, era um pobre, operário."
"A primeira vez que vi João Pedro foi na mercearia do meu pai. Ele trabalhava numa pedreira nas terras de um vizinho. Depois que fugimos fiquei na casa do tio dele, que era gerente de um engenho, e no dia 26 de julho de 1942, nós nos casamos. Antes do casamento, papai mandou uma carta, pedindo para que eu voltasse, mas eu não aceitei. Quando conheci João Pedro, eu tinha 15 anos e fugimos um ano depois", continua. O pai insistiu por diversas vezes para ela separar-se de João Pedro, mas Elizabeth nunca aceitou as propostas e ofertas da família. Continuou ao lado do marido, com quem teve 11 filhos e um convívio feliz. Ela prossegue: "Depois disso, João Pedro foi para Recife e eu fiquei em Sapé por uns meses. Aí, ele alugou uma casinha na capital e me levou. Já estava grávida do nosso segundo filho, o Abrahão Teixeira. Moramos nove anos em Recife e, nessa época, João Pedro começou a participar da luta da classe trabalhadora, fundando o Sindicato da Construção da cidade. As primeiras reuniões foram lá em casa, no começo dos anos 50. Logo depois, os empresários não queriam mais dar trabalho a ele e a situação foi ficando muito difícil. Os nossos filhos começaram a passar fome e resolvemos voltar para a Paraíba. Quando chegamos lá, em 54, papai mandou um grupo de trabalhadores nos ajudar no plantio. João Pedro também foi. Na hora do almoço, eles tinham apenas farinha seca com rapadura. Aí meu marido começou a questionar aquela situação e a entrar na luta dos camponeses, indo de engenho em engenho para saber como era a sobrevivência dos camponeses. Foi tomando conhecimento e começou aquela organização."

A luta das Ligas

Nesse tempo, João Pedro já havia sido preso várias vezes por ordem dos latifundiários locais. Chegou até a ter de fugir para o Rio de Janeiro, onde ficou durante oito meses, escondido. Sua intensa participação no movimento dos trabalhadores rurais da Paraíba lhe trouxe o ódio de fazendeiros e donos de engenho deste estado. Vivendo só neste período, Elizabeth Teixeira diz que os companheiros da luta a ajudavam, não deixando faltar nada à família durante a ausência de João Pedro. Quando este voltou, foi fundada a Liga Camponesa em Sapé, no ano de 1958. A organização dos trabalhadores foi crescendo na região e, em consequência, aumentaram as ameaças contra o líder camponês, assassinado em 1962 com três tiros pelas costas, por pistoleiros que ficaram de emboscada.
Depois da morte do marido, Elizabeth também foi detida e sofreu diversos atentados. Havia até quem lhe oferecesse dinheiro para abandonar as Ligas, mas ela continuou firme, junto aos trabalhadores. "Um dia após o golpe tentaram incendiar minha casa, mas não me encontraram, porque estava em Galiléia, fazendo o filme. De lá, fugimos para dentro das matas e no dia seguinte, conseguimos chegar até Recife. Depois, em João Pessoa, procurei notícias dos meus filhos, mas acabei sendo presa. Passei três meses e 24 dias na prisão, no Agrupamento de Engenharia." Liberada, ela fugiu para a cidade de São Rafael, interior do Rio Grande do Norte, onde viveu por 16 anos com o nome de Marta Maria da Costa.
"Eu fugi com o meu filho Carlos, e os outros ficaram espalhados, com parentes. Eu vivia lavando roupa de ganho, no rio Açu. Mas apanhei uma infecção, fiquei muito doente, e fui parar no hospital. O médico disse que eu tinha que parar de lavar roupa, e a situação ficou mais difícil ainda. Cheguei a passar fome. Um dia, eu estava sentada na calçada, chorando, então um motorista que viu a minha situação foi na venda e comprou uma feira com muita coisa, inclusive quatro latas de leite, e me entregou, num gesto de grande solidariedade. Este gesto me animou a continuar firme. Então percebi que as crianças de São Rafael viviam pelas ruas, sem escola, sem ensino nenhum, e aí falei com as mães e propus ensinar às crianças em troca de algum dinheiro. Elas se reuniram, cada uma cedeu uma cadeira, outra emprestou a sala da sua casa, que foi transformada em sala de aula e passei a ensinar às crianças a ler, contar e escrever. E hoje, de vez em quando sou homenageada por elas, mulheres e homens, já formados, e que começaram a ler naquela ocasião", diz.
Mesmo na clandestinidade, a líder camponesa continuou a agir. "Conversava muito com o presidente do Sindicato Rural de São Rafael sobre a situação dos companheiros do campo, mas ninguém sabia que eu era a viúva de João Pedro", lembra. Quando o cineasta Eduardo Coutinho a encontrou, em 1981, num processo longo de procura, ela abandonou a vida clandestina que levava e revelou seu verdadeiro nome e sua história às vizinhas e amigas do município de São Rafael. Em seguida, sua primeira iniciativa foi reencontrar os demais filhos, que moravam na Paraíba, no Recife, no Rio de janeiro e em Cuba. 
 Na cena final do filme Cabra marcado para morrer, gravada em 1981, Elizabeth diz: "(...) a luta que não pára. A mesma necessidade de 64 está plantada, ela não fugiu um milímetro, a mesma necessidade do operário, do homem do campo, a luta que não pode parar. Enquanto existir fome e salário de miséria o povo tem que lutar. Quem é que não luta? É preciso mudar o regime, enquanto tiver este regime, esta democracia, (...) democracia sem liberdade? Democracia com salário de miséria e de fome? Democracia com o filho do operário sem direito de estudar, sem ter condição de estudar?" Ao fim da entrevista, indagada sobre a atualidade de suas palavras, ela conclui enfática: "Continua do mesmo jeito. Enquanto houver a fome e a miséria atingindo a classe trabalhadora, tem que haver luta dos camponeses, dos operários, das mulheres, dos estudantes e de todos aqueles que são oprimidos e explorados. Não pode parar."


 

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